terça-feira, 18 de agosto de 2009

ENCICLOPÉDIA DAS CIÊNCIAS FILOSÓFICAS


O desenvolvimento intelectual e espiritual de Mário Ferreira dos Santos é um mistério, pois os escritos publicados até 1952 só de maneira parcial e obscura refletem as inquietações mais graves que o agitavam por dentro e os vastos planos cuja realização já se preparava, talvez, em seu subconsciente. Sabe-se, é claro, que durante todo esse período ele não cessou de estudar as grandes obras de filosofia, de tomar notas, de mandar buscar no exterior os livros raros de que necessitava, e mesmo de encomendar cópias de velhos fólios em bibliotecas, como, por exemplo, fez com os filósofos portugueses do Renascimento, aos quais ele foi talvez o primeiro e grande pensador, depois de Leibniz, a devotar longo estudo e profunda admiração. (...) Mas os escritos publicados até o princípio da década de 1950, se anunciam os temas e problemas fundamentais de que o filósofo iria ocupar-se, nem de longe deixam transparecer a profundidade, a envergadura e a solidez dos pensamentos que germinavam na alma de Mário Ferreira dos Santos. Inteiramente desproporcional com o anterior, o novo homem surge pronto, como se vindo do nada, e explode numa sequência de dez obras geniais, publicadas entre 1952 e 1957: Filosofia e Cosmovisão, Lógica e Dialética, Psicologia, Teoria do Conhecimento, Ontologia, Tratado de Simbólica, Filosofia da Crise, O Homem Perante o Infinito, Noologia Geral e sobretudo a maior obra desse período: Filosofia Concreta, em três tomos. (...) é evidente que esses dez livros foram concebidos todos de uma vez, como capítulos de uma exposição seguida, destinada a abranger de maneira global e pela ordem lógica os temas básicos da indagação filosófica. Pela ordem, sim, porque a desordem ali é só do pormenor estilístico: a estrutura, tanto da série como de cada livro, é límpida.

Mas não é só do exame dos livros que se conclui a unidade do conjunto. Os familiares do autor contam que, dando uma conferência em São Paulo, Mário repentinamente se calou e, após alguns minutos de constrangimento geral, pediu aos ouvintes que o desculpassem: acabara de ter uma idéia e precisava registrá-la no papel antes que escapasse. Foi para casa e redigiu na mesma noite a série de teses principais da Filosofia Concreta. Estas teses, numeradas, progridem como numa demonstração matemática, dos princípios auto-evidentes até as mais remotas conseqüências para os vários domínios da filosofia. Mais tarde Mário acrescentou demonstrações - cruzando vários métodos lógicos e dialéticos - , comentários, escólios etc. Basta examinar os nove títulos restantes da Primeira Série da Enciclopédia para verificar que eles não fazem senão dar recheio à armadura então esboçada, realizar em detalhe o programa da Filosofia Concreta, desdobrando, num confronto dialético com múltiplas correntes de pensamento, e enriquecendo, com uma variedade de exames segundo as perspectivas de diferentes disciplinas filosóficas, o esquema que, no último livro da série, será apresentado numa síntese geometricamente ordenada (CARVALHO, Olavo de. O futuro do pensamento brasileiro: estudos sobre o nosso lugar no mundo. 3ª ed. São Paulo: É Realizações, 2007, pp. 258-260).

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Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução