quinta-feira, 20 de agosto de 2009

LEGENDA ÁUREA

Legenda não existe no latim clássico, sendo criação da liturgia medieval, que no século IX transformou o adjetivo verbal de legere em substantivo que indicasse a narrativa hagiográfica lida na festa de cada santo. Em meados do século XII, o famoso liturgista João Beleth (Summa de ecclesiasticis officcis, ed. H. Douteil, Turnhout, Brepols, 1976, Corpus Christianorum Continuatio Medievalis, vol. 41 A, p. 115) usou a palavra apenas relativamente à vida dos santos confessores e não à paixão dos mártires, mas de forma geral tal distinção não foi aceita, como mostra a própria Legenda áurea. Ainda com o sentido tradicional, ela passou em fins do século XII para o francês e depois para as outras línguas vernáculas, e somente no século XIX, com os positivistas, ganhou a acepção de "lenda", relato que deforma fatos e personagens históricos. (VARAZZE, Jacopo de. Legenda áurea: vidas de santos. Tradução do latim por Hilário Franco Júnior. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 12)

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É óbvio que a Legenda Áurea não fala - não pode falar - de São Benedito. O texto latino data de meados do século XIII e Sâo Benedito viveu no século XVI. Porém, eu tenho aqui um livrinho, desses de novena, que narra alguns acontecimentos extraordinários, dignos de figurarem na Legenda. Gostaria de compartilhá-los. Ei-los:


Entre os prodígios realizados por São Benedito, ficou famoso o milagre dos peixes. Frades de todos os lugares reuniram-se no convento de Santa Maria de Jesus para o Capítulo Provincial. Era inverno intenso e rigoroso, o que os impossibilitava de pedir esmolas no povoado, e as provisões de que dispunham eram poucas para tanta gente. O santo cozinheiro pediu aos companheiros que enchessem as vasilhas com água e as cobrissem com tábuas. Retirou-se, então, para a cela a fim de rezar e assim passou a noite em contemplação. Ao amanhecer, mandou que tirassem as tampas e colhessem os peixes que ali fervilhavam. Todos comeram e ficaram saciados.

Outro fato extraordinário foi a refeição preparada pelos anjos. O arcebispo de Palermo, dom Diogo d'Abedo, costumava passar o Natal no convento. Durante a missa da aurora, são Benedito entregou-se à contemplação dos mistérios divinos e entrou em profundo êxtase. Em alvoroço, os frades o procuravam até que o encontraram tranqüilo, descansando em Deus, num canto do coro da capela. Indignados, despertaram-no e o repreenderam asperamente por ainda não ter sequer acendido o fogo e nada preparado para a refeição do Arcebispo. São Benedito não se deixou abalar com a intolerância e as críticas dos co-irmãos. Calmamente, ainda aguardou que a missa terminasse, depois, tomou uma vela e dirigiu-se à cozinha. Foi então que os desavisados das coisas de Deus puderam vislumbrar a refeição, fumegante, no ponto para ser servida, e dois anjos sorridentes a conversar com o santo cozinheiro.

Muitos prodígios foram realizados por ele. Por várias vezes, os alimentos se multiplicavam milagrosamente para que nenhum pobre deixasse as portas do convento sem ser atendido. Quantas vezes ordenara ele que dessem aos pobres todo o pão que havia nos cestos, que a Providência divina haveria de achar um meio de socorrê-los.

(ALVES, José. São Benedito: novena e biografia. São Paulo: Paulinas, s.d., pp. 29-31)

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