quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Kazuhito Yamashita


Nascido em Nagasaki em 1961, ele foi menino-prodígio e seu único professor foi seu pai. Sua formação foi bem pouco ortodoxa e, ao lado da literatura tradicional do instrumento, ele desde cedo criou o hábito de fazer arranjos para violão de todo tipo de música que atraísse sua atenção, fosse uma obra sinfônica ou um simples tema de televisão. Progressivamente, sem ter nenhum parâmetro de comparação, ele criou um enorme arsenal de novos efeitos e possibilidades técnicas. Aos 15 anos já era vencedor de todos os concursos de música de seu país, e aos 16 viajou à Europa pela primeira vez, tornando-se o mais jovem vencedor da história do prestigioso concurso da Radio France em Paris em 1977. Nos anos seguintes sua carreira tomou corpo tanto no Oriente quanto na Europa e, em 1981, lançou seu primeiro disco, que marcou época: sua própria transcrição para violão solo dos Quadros de uma Exposição de Mussorgski, baseada na versão orquestral de Ravel. (...)

Confesso que até hoje não me recuperei da surpresa ao ouvir esta gravação pela primeira vez. Eu não poderia sequer imaginar que o violão era capaz de fazer tudo isso. A primeira coisa que chama a atenção é a imensa vitalidade da interpretação, de uma energia arrasadora. O colorido orquestral é reproduzido fielmente através de um ágil deslocamento da mão direita: ele sugere a sonoridade dos metais, tocando em várias posições próximas ao cavalete; das madeiras agudas tocando em harmônicos; dos cellos e contrabaixos, tocando sobre a escala do violão com a polpa do polegar; ele produz uma sonoridade mais redonda para sugerir o saxofone; ou mais pontiaguda para o oboé; ou toca exatamente na metade da corda para reproduzir o som da tuba. Ele desenvolveu vários tipos de tremolo, os quais, que eu saiba, nunca haviam sido explorados antes, que sugerem diferentes texturas orquestrais: um harpejo tremolado, uma escovadela com a palma das mãos para sugerir os violinos em pianíssimo; ele consegue tocar em dedillo, ou seja, com o vai e vem de somente um dedo, tocando a corda alternadamente com a o lado de cima e de baixo da unha, mas com qualquer dedo, inclusive o mindinho; e isso, tocando acordes ao mesmo tempo, um feito extraordinário!; buscando mais velocidade e um efeito de metralhadora em passagens de notas repetidas, ele toca grupos de duas notas com três dedos, em que o indicador, médio e anular funcionam como ponto de apoio alternadamente; e até consegue sugerir o rulo do tambor militar ou o efeito de sinos, com uma rápida alternância de sons ocos e metálicos. Isso sem contar os efeitos menos evidentes numa gravação, mas dificilíssimos, como a superimposição de ligados em direções opostas, rápidos saltos, extensões extremas da mão esquerda, trinados simultâneos de mão esquerda e direita.

Pode parecer que esta batelada de efeitos tem um intuito puramente circense e exibicionista, mas a verdade é que sua interpretação é magistral e capta perfeitamente a essência pré-expressionista, depressiva e onírica, da arte de Mussorgski; eu conheço poucas gravações do original desta obra ao piano que sejam tão vívidas quando a versão de Yamashita para violão.

Estas inovações de Yamashita já têm mais de 20 anos, mas ainda não foram digeridas por outros violonistas; outras tentativas de tocar este Mussorgski não têm sido tão felizes, e poucos estudantes têm a paciência de estudar estes efeitos miraculosos que, entretanto, não têm espaço em outras esferas do repertório. Yamashita está, neste aspecto, 50 anos à frente de seu tempo e tenho certeza que a composição contemporânea eventualmente incorporará estes efeitos em obras originais e forçará as próximas gerações a desenvolverem um grau de virtuosidade que, hoje, pertence somente a Yamashita.

Fábio Zanon, A arte do violão, programa XVIII

Fonte: http://aadv.radio.googlepages.com/zanon_aadv-18.html

Aqui coloquei o disco do Yamashita e o programa do Zanon.

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